OS POSITIVOS

Entrevista a José de Freitas pt.3

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No mesmo dia que um bibliotecário anónimo (chamemos-lhe "Alfons Moliné" por ora) notório por desprezar o "nojo da Disney" 13 fev 2019 resolve promover os livros desta no acervo da Bedeteca de Lisboa, nOS POSITIVOS incentivamos à especulação financeira e um conhecido editor de BD comercial contrapõe-nos citando Marx. Life is funny sometimes. Dissemos que não o faríamos mas em poucas horas despachou-se mais do que em várias semanas e voltamos – noutros moldes... – para a conclusão da entrevista a José de Freitas. Onde estávamos?


José de Freitas
G. Floy Studio Portugal

Relativamente às vendas de BD em suporte digital em França, [citando dados da Dargaud] para o livro em geral, as vendas de livros em formato digital representam um pouco menos de 4% do total, quer em livros, quer em dinheiro. Que para a BD esse total diminui ainda um pouco. O número total para o livro em geral tem crescido, embora não muito depressa, mas o do livro electrónico de BD estagnou há já uns anos (embora as vendas tenham crescido fortemente em livros físicos nestes últimos dois anos).

Em termos de negócio de "licensing" [e ainda segundo a Dargaud], as vendas de livros de BD digitais são "irrelevantes". Embora me tenham dito que há editores, sobretudo em Espanha e em língua anglo-saxónica que façam sempre contrato para comprar TAMBÉM a versão digital, por política de presença online, mas que, mesmo sabendo que os direitos sejam diferentes (costumam cobrar 30 a 38% das receitas das vendas digitais versus 8-10% de royalties nos livros físicos) as receitas do digital são inexpressivas (>0,1%).

Em linha com os nossos pressupostos base: o mercado de BD terá os seus kinks mas o fall out das Big Five vs Amazon também se aplicarão. Vivemos uma situação caricata: as editoras vendem agora mais livros e registam quedas nos ebooks ano atrás ano, os autores digitais sem editora dizem que nunca venderam tantos ebooks como agora. Sem uma entidade que cruze os dois dependemos dos reports que lemos.

Enquanto for lucrativo canibalizar os ebooks as editoras não vão voltar atrás, mas sabemos que o inverso foi um sucesso quando o preço era mais acessível, e sabemos que o fanboy irá sempre ler o seu comics qualquer que seja o formato. Todas as coisas iguais será em livro, se esse não estiver disponível ou o preço começar a pesar em dois segundos está a piratear a coisa. Um equilíbrio precário: mais um jogo de vontades que uma lei imutável da física. Se se mudarem factores na equação (custos de produção ou distribuição por exemplo) vira-se o mercado ao contrário.

E de todos os comics nenhum será mais natural ao binge-reading que os super, modelos de subscrição como estes têm o potencial de secar o livro impresso como já antes se matou o videoclube.


José de Freitas
G. Floy Studio Portugal

Creio que as realidades US e Europeia são fundamentalmente diferentes também, nos formatos físicos de livros, e que isso condiciona os hábitos de compra do digital. Tenho amigos que compram muita coisa digital SE for comic US, porque 17 x 26 se adequa a muitos tablets e iPads sem grande perda de qualidade da leitura, mas o mesmo não é verdade relativamente aos formatos europeus. E se existe uma espécie de formato europeu 'graphic novel' que se adequa a essa leitura (o 16 ou 17 x 24, muito comum por questões de preço dos planos de impressão dados os tipos de papel standard usados cá), também notei a tendência em França estes últimos anos para aquilo que anteriormente teria sido editado nesse formato 'graphic novel' (ou próximo) ser agora editado em formatos bem maiores (ie. tipo 23 ou 24 x 30).

Quanto a "as editoras vendem agora mais livros e registam quedas nos ebooks ano atrás ano, os autores digitais sem editora dizem que nunca venderam tantos ebooks como agora" diria que existe uma explicação óbvia (não sei se é a verdadeira), que os autores vêm de uma base muito mais baixa, e que para quem vendia p.ex. 300 num fanzine ou edição de autor em papel de repente vender 1000 em formato digital (e ainda por cima ficar com muito mais dinheiro por venda) as coisas tenham melhorado e muito.

E a realidade das livrarias especializadas em BD é MUITO diferente em França e nos EUA, p.ex. e acho que isso também tem impacto nas vendas digitais. As vendas de BD per capita em França são quase três vezes superiores às dos EUA, e o valor por venda média é muito superior, e isso permitiu uma verdadeira explosão no número de livrarias especializadas nestes últimos anos. Ou seja, a experiência de compra física numa loja é radicalmente diferente nos dois países, para não dizer que as livrarias de BD francesas não são o ghetto de nerds masculinos que as US são em média.

As duas realidades são muito diferentes, mas a mim não me espanta que nos US ainda haja algum crescimento do digital, versus a França/Bélgica. A experiência de compra de BD nos dois mercados é muito diferente (e seria interessante ver, p.ex. até que ponto a venda digital é impulsionada pelo modelo comic mensal, versus quanto é os compradores casuais de BD "graphic novel" mais mainstream/mass media compram de digital).

A ser claros, de momento parece-nos que o digital de comic books deverá ter estabilizado e não irá subir até haver mudanças de preços. Dito isso,

Ebooks, not zines. Não há fontes oficiais, mas procurando por reports recentes à Europa podemos por exemplo espreitar a primeira metade de 2018 16 ago 2018: nesse período na Alemanha apenas registam vendas de 16.7 milhões de unidades.

US/EU: apesar da tradição franco-belga e da excepção que França é — porque é excepcional —, são os comics dos States que mais importam a adivinhar tendências futuras em indústria: são eles que alimentam a variante comercial que dá a volta ao mundo.

Mas aproveitamos o Angoulême ainda na memória recente de muitos e recordamos da realidade excepcional do sucesso francês. Como em tudo onde a iniciativa privada se revela um caso de sucesso…-

Otra manera, menos sutil, de decirlo es la siguiente: no había casi fanboys.

Y esto también nos lleva a otra verdad incómoda: sin el sector del gran público, sin los Dargaud, Casterman, Glénat y Gallimard, sin el peso que tiene la BD en el mercado editorial francés, nada de esto sería posible.
in "Despachos desde Angoulême" fev 2019

— esquecemo-nos do habitual encosto onde a iniciativa privada se pendura: o Estado.

Angoulême es un monstruo enorme que cumple con todas las funciones económicas, culturales y sociales con las cuales un buen festival o convención debería cumplir. Que exista en su forma actual es casi un milagro de la historia y un testimonio del impulso decisivo tanto de la economía privada francesa como del Estado francés en pos de estimular la producción de BD.

Este es un festival francés. Hay una sinergia con el Estado que quedo consagrada en esta última edición, a cuyo cierre acudieron el Ministro de Cultura y el de Educación (Ministerio que visita por primera vez el Festival desde sus inicios), junto con el Secretario de Estado de la Juventud, quienes firmaron un convenio trianual en donde se establece un marco de cooperación privado-estatal para las próximas ediciones y donde se apuesta a mejorar y expandir las condiciones del Festival para volver, asimismo, a la zona donde se realiza un centro mundial de la BD. El lugar donde se realiza es, también, parte de esta misma política francesa de promoción cultural.
in "Despachos desde Angoulême" fev 2019

Vamos buscar outro artigo recente à BEAT 5 fev 2019 para bater no retail. Em acelerado, onde toca ao digital:

Welcome to 2019, my friends. Welcome to the death of the industry as we know it. Here’s the quick and dirty version: many retailers are having a tough go as of late, and many are closing up shop rather than signing up for a few more years of decline. The reasons for this are legion and sometimes highly specific to a store, but all seem to have an immutable idea at the core: something is wrong.
in "The Retailer’s View // Thank You, Next" 5 fev 2019

Segue-se mercado directo yadda yadda yadda com uma proposição interessante:

At a certain point, Steve Geppi (the owner of Diamond) is going to cut his losses. Could you imagine the shape of the industry if, say, Amazon purchases Diamond? What then?
in "The Retailer’s View // Thank You, Next" 5 fev 2019

What than indeed. Próximos, os big two, DC / Marvel:

Both are owned by corporations who could probably care less if the direct market died tomorrow. They have many other channels to exploit their IP with, including digital distribution of comic book product.
in "The Retailer’s View // Thank You, Next" 5 fev 2019

...e futurologia:

This industry has been constantly evolving from the start – strips, to single issues, to newsstands, to comic shops, to book stores, to digital, and on and on and on. We’re in the midst of the next big evolution, and some folks just won’t be making the journey alongside us. This is where we are right now. An industry at the brink of evolution.
in "The Retailer’s View // Thank You, Next" 5 fev 2019

E do "newsstands, to comic shops, to book stores, to digital" já começam a compreender importância de discutir o mercado imobiliário para chegar ao digital :)

Se estivesse no negócio de especular BD comprávamos os direitos digitais de tudo e mais alguma coisa enquanto ninguém os quer e sentávamo-nos neles por uns tempos.


José de Freitas
G. Floy Studio Portugal

O estado da indústria americana e o "modelo" em que ela se baseia são conhecidos há anos. E estou de acordo que a seu tempo "something's gotta give". As grandes editoras dificilmente conseguem recuperar o investimento que fazem num comic (xxx$ por página por escritor, desenhador, arte-finalista, etc...) se não fizerem PRIMEIRO um comic e depois os trades. E acho que no geral não é sustentável para as grandes editoras de supers passar para um modelo de "livros", porque as vendas aí não são de molde a permitir recuperar o que se paga a artistas de topo para desenharem um Aranha ou Super-Homem (400$ por páginas? 600$? talvez mais).

Também é um problema de propriedade intelectual. Muitos criadores estão dispostos a arriscar por menos dinheiro em séries em que eles é que ficam com os dinheiros, e é lógico que se vão trabalhar para uma série em que não são donos de direitos (ou de somas muito pequenas) exigem mais por página.

O mercado francês opera sobre pressupostos completamente diferentes. Eu não faço profecias relativamente ao digital para a BD, embora acredite que haverá sempre um mercado para livros físicos de qualidade. Mas diria que, p.ex. relativamente aos 200M€ de vendas de livros digitais na Alemanha (extrapolando os 100 para um ano), isso é equivalente a 35% das vendas SÓ de BD em França (que foram de c. 590M€ em 2018). Só BD. E se ajustarmos por população (equivalente a reduzir em c. de 40% o valor equivalente), é 20%. Ou seja... não me parece muito impressionante.

Note-se que o mercado francês de BD é mais ou menos metade do US em valores absolutos (um pouco mais de metade na realidade). Mas a população francesa é cerca de um quinto da americana, ou seja, per capita, o mercado de BD é três vezes maior em França do que nos EUA, e as grandes editoras (e algumas são tão grandes como a DC e a Marvel) não são empresas de IP e de media e cinema como as americanas, têm portanto mais necessidade (e compromisso com) do mercado livreiro. Ou seja, não estou muito de acordo com a visão que tem dos US como "trend-setters". São mercados completamente diferentes, e de há alguns anos para cá muitas editoras (non-major) americanas têm tentado emular o mercado europeu sem grande sucesso (ver os artigos do Kim Thompson sobre isso, relevante sendo o facto de ele ter vivido toda a infância e adolescência na Europa); como bom Marxista diria que obviamente que a estrutura de criação de cada um dos mercados é moldada pelas condições financeiras e legais e de distribuição de cada um, mas que os mercados são suficientemente diferentes para poder arriscar o seguinte:

  • 1) o que se passa num pode não ter muito que ver com o que se passa ou vai passar no outro;
  • 2) o mercado franco-belga é muito sólido em termos financeiros também, e portanto não está nada dependente do que acontece no US.

Por exemplo, mesmo que o mercado de comics imploda porque pura e simplesmente deixa de ser viável pagar 800-1000$ por página para gerar um comic, porque as vendas baixaram a um nível tão baixo que deixa de ser viável, isso não afectará em grande coisa o mercado europeu.

Aqui temos mesmo que repetir a nossa proposição: sem os comics americanos e independentemente de preferências pessoais por BD menos voláteis ao $$$, não cremos que 3/4 dos actuais leitores de banda desenhada por cá continuassem sem o produto americano. Bom ou mau, depende, mas isto ficava vazio e umas cadeiras para o canto dos Tintin-Rexs. E o money shot de hoje a comparar mais tarde:


José de Freitas
G. Floy Studio Portugal

Quanto ao impacto que teria a Amazon comprar a Diamond... pois., Não sei se isso está sequer no horizonte. Mas sei que na Europa esse domínio imenso que a Amazon tem no mercado US tem vindo a aparecer também, nuns mercados mais que outros. Os meus ex-colegas da Devir dizem que em Espanha está a tornar-se uma coisa problemática o peso que a Amazon tem estado a tomar, na área específica deles, e que inclusive há editoras de BD que deixaram de vender via amazon.es. Em França, pelo que sei, o impacto da Amazon é muito menor (mas não sei até que ponto isto é fiável).

Aqui partamos horizontes com JdF e continuaremos a seguir o zeitgeist onde a evolução da BD nos leva. Falámos de livros digitais, mas a) prefimos ler o livro impresso e! b) a BD em digital que não se restringe à "página" como formato. Não é desses que nos importa seguir, livros (conceito herdado do papel) em digital é apenas a introdução à banda desenhada que realmente nos interessa: webcomics. Nessa viagem seguimos sozinhos: enter not-so-random (*) photo de fim-de-capítulo.

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