OS POSITIVOS

o empenho artístico enquanto comédia de época

Perdoem-nos a ausência, ficámos num merecido ó-ó. Anyhoos, pior que o jazz, só a poesia – andamos fora de época, quando não? À época, senhores!,

Na sua prosa da passada sexta-feira, neste jornal, a economista Susana Peralta fez o uso ostensivo de um rima pobre, em "ão". Não se pode dizer que o processo seja muito sofisticado ou revele grande elaboração retórica, mas merece pelo menos uma pequena nota, para que se repare no efeito paródico e de irrisão, para sentirmos o ligeiro alívio que é sair da crítica circunspecta. A rima pobre tem a música banal de uma litania, a mesmice da vida política, sempre a mesma história, sempre a mesma canção. Uma rima entediante traz à consciência o nosso tédio, que já foi, há mais de um século, uma tonalidade afetiva, de carácter epocal, que deu origem a uma grandiosa poesia.
António Guerreiro in "A Multidão e o Povo" 31 mar 2023

Também desfasados dos tempos, encontrámos entre os comunistas mais dedicados que já conhecemos os mais ávidos leitores de poesia, a sua ortodoxia tão informada no marxismo-leninismo como os seus ideais de uma emancipação humana devem ao lirismo. Seguimos mote, concluamos livros, "há mais de um século",

As características teóricas estéticas que se desenvolveram e dominaram durante este período retificaram esta unidade da arte com o empenhamento social. [...] Deverá notar-se que este é um dos raros períodos em que os poetas não só simpatizaram com a extrema-esquerda como escreveram poemas que podiam ser utilizados para fins de agitação. Numa época diferente poderiam ter sido poetas com algumas opiniões quanto a questões públicas; na era em questão, foram publicistas, profetas, filósofos ou historiadores movidos por uma inspiração poética. A lava da imagística poética acompanha a erupção do jovem intelecto de Marx a um ponto que é invulgar, quer entre filósofos quer entre economistas.
in "A Era das Revoluções" orig.1962

Que, como sabemos, não é quadra que rime. Artsy-fartsy.

“Arte pela arte”, lema já formulado, sobretudo por conservadores e por diletantes, não podia ainda competir com a arte pela humanidade, pelas nações ou pelo proletariado. Só quando as revoluções destruíram a esperança romântica no grande renascimento do homem, o esteticismo encerrado em si mesmo pôde manifestar-se plenamente. in "A Era das Revoluções" orig.1962

de época