OS POSITIVOS

« prazer narcísico »

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Sair da cultura, em vez de entrar nela, era o grande desígnio dos escritores, dos poetas, dos artistas.
in "Tão democrática, a cultura" 23 set 2022

OS POSITIVOS: we-be-out-there. Tão lá fora em "manifestações da 'baixa cultura' ou do que outrora foi uma "contra-cultura" (mas agora já não pode aspirar a sê-lo)" 23 set 2022 que a última recomendação poético-literária neste espaço foi literalmente merda. Um niilismo cultural tentado ontem pelo Grande Algoritmo das coincidências de vida: eufóricos na ignorância ao zeitgeist, o Público ofereceu-nos 3 meses de subscrição em troca de dados, dados, dados.

A caixa do "porque não quer pagar pelas notícias" no inquérito permitia apenas um pequeno parágrafo: ficaram a perder, podíamos ter-lhes escrito o manifesto.

Subscritos, passaremos os próximos 90 dias a ler Pacheco Pereira, António Guerreiro et al. ao sabor dos acasos. E começamos caso com cultura, sociedade & tecnologia.

AG denuncia a nossa escola de pensamento (*) Somos da velha guarda:

A crítica da cultura (...) alimentava-se essencialmente de duas fontes: a ideia de que a cultura era um instrumento ideológico que era necessário desmitificar (...) e a ideia de que a alta cultura como referência se opunha radicalmente (...) à cultura de massa. Crítica da sociedade e crítica da cultura eram, de certo modo, a mesma coisa.
in "Tão democrática, a cultura" 23 set 2022

— e a nossa hipótese (*) Aqui à frente do nosso tempo.: "a grande transformação que foi a passagem do analógico ao digital". Como sentenciados ("quem foi acompanhando esta progressiva perda de exclusividade move-se ainda entre dois mundos e é levado constantemente a fazer comparações"), "frequentemente tentados a fazer um balanço, a reflectir sobre ganhos e perdas, a identificar vícios e virtudes antigos e recentes" 10/07/2022. Nas virtudes perdidas do "monopólio do livro e do texto impresso", ie, "formação de uma comunidade de leitores que, eles e só eles, estariam aptos ao livre exercício público da razão", viramos página a Pacheco Pereira para o rant de hoje (citação longa, perdoem-nos, rotinas de arquivo):

Um dos aspectos que estão no cerne da actual crise da democracia é exactamente uma crescente degradação dos factores culturais (...). Isso implica educação, saber, vontade de saber, ler, ouvir e ver com olhos de ver, procurar informação, reconhecer desinformação, falar com voz alta quando é preciso, e ser prudente na fala também quando é preciso, reconhecer o valor da privacidade, não ir em ondas mediáticas e da moda, nem fazer como a Maria "que vai com as outras". Implica ter um vocabulário que não seja gutural, feito com meia dúzia de palavras, e uma capacidade de se exprimir, que vem, entre outras coisas, de ler, e não do TikTok, nem dos reality shows, nem da fala que nunca se cala do futebol. (...) A informação é substituída pelo consumo do "engraçadismo", pelo desprezo pela privacidade, pela raiva, pela calúnia, pelo comportamento em matilha, pelo julgamento imediato, pelo desprezo pelo outro, sem qualquer esforço sequer para perceber os seus argumentos, tudo substituído pelo prazer narcísico de ler, ouvir e ver apenas aquilo com que se concorda. Rodeados de devices que os prendem num presente inescapável, de mensagens para ler e escrever, vídeos virais, jogos sem fim, incapazes de deixarem os telemóveis um segundo, com uma sociabilidade mais virtual do que real, têm uma vida pobre, com muito mais exclusão do que sequer se apercebem. A seu tempo ficarão deprimidos, a doença psicológica da preguiça e da facilidade de viver num mundo muito pouco fácil.
PP in "A crise da democracia e a geração menos preparada" 5 nov 2022

Tem-nos no desprezo, matilha raivosa, perde-nos no ler, ouvir e ver apenas aquilo que se concorda (*). No nivelar por baixo não mesquinhou a BD mas cremos que facilmente entrava ao rol, o gutural e palavras à meia-dúzia dependem-nos da ocasião, não temos meias palavras para a nossa aversão ao futebol. A de PP às redes sociais ombreia a nossa, mas nunca jogaremos fora o bebé com a água, e aqui resumo com ajuda do Atlantic, clickbait que também não conseguimos evitar: "The Age of Social Media Is Ending" 10 nov 2022:

Social media showed that everyone has the potential to reach a massive audience at low cost and high gain—and that potential gave many people the impression that they deserve such an audience. (...) That was a terrible idea. People just aren't meant to talk to one another this much. They shouldn't have that much to say, they shouldn't expect to receive such a large audience for that expression, and they shouldn't suppose a right to comment or rejoinder for every thought or notion either.
in "The Age of Social Media Is Ending" 10 nov 2022

Comentaremos e replicaremos: só alguns merecem audiência – e, previsivelmente, os restantes devem pagar pelo privilégio de acesso aos seus dizeres. Senhores... esse barco já afundou, esse comboio já descarrilou, esse avião já despenhou. Nada confundível com uma cultura sofisticada discorre pelas redes sociais, mas como restantes media, acusamos a programação, eternamente dobrada ao imperativo maior, $$$. Não vos aborreceremos mais uma vez com as nossas diatribes às redes sociais, como antes dessas atacámos a TV que não merecíamos. Se detestamos noticiários e novelas, não desprezamos a tecnologia que os permite. Picámos demasiados bilhetes de transportes públicos, calcámos demasiados passeios, curvámos demasiadas vezes as costas com o peso de uma mochila repleta de zines impressos, cada qual a custar-nos envelope e selo e dias de atraso com o ocasional extravio, para alguma vez recusarmos conveniências modernas. Como em tantas outras frentes importa recordar, esta realidade não é a única possibilidade, e as ferramentas que precisamos para as alternativas estão ao nosso dispor — historicamente, nem sempre foi o caso. Apreciaremos todas as tecnologias que abram novos canais à cultura, por mais rasteiras, canais e culturas. Mesmo se, é feitio, evitamos as que tenham público.


 *) Têm-nos no "deprimidos", mas essa é toda uma outra história.

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