OS POSITIVOS

a má crítica do nosso círculo vicioso

ilustração de Pedro Burgos

Seguimos crítica, assim falava João PP Boléo no capítulo "Crítica e Divulgação" '99, convidados Domingos Isabelinho, João Miguel Tavares, et al.

talvez a característica de fundo (...) e que também condiciona a própria cobertura da imprensa, é a da promiscuidade

Mais ou menos todos conhecem todos, ou bastantes conhecem bastantes, e muitos dos críticos – e penso poder adiantar que nomeadamente os melhores – estão envolvidos em vários papéis, em várias funções, são críticos e autores de trabalhos objecto de crítica, o que não torna as coisas fáceis... [...] Há uma desconsoladora ausência total de diálogo crítico, de crítica da própria crítica.
in "hoje, a bd colóquios 1996 e 1999" 2001

É revisitar e comparar, bónus nos parágrafos à academia, escolhemos à timeline:

O crítico deve acompanhar as novas tendências e a influência da evolução da sociedade na bd, sendo destacadas duas tendências: [...] i) a bd, ao que parece, tenderá a deixar de ser de massas mas a bd alternativa de qualidade permanece invisível, ignorada; ii) o impacto da informática e da internet, quer ao nível das novas formas de trabalho quer do acentuar do diálogo entre géneros, e pelas possibilidades de desenvolvimento de massa crítica.
in "hoje, a bd colóquios 1996 e 1999" 2001

OS POSITIVOS: tendemos a consolar a crítica, semente plantada no mesmo ano embora totalmente alheia a estes dizeres e longe de adivinhar os frutos a colher. Esta favorece-nos como bd alternativa de qualidade. O textos de DI e JMT envelheceram bem, como em não envelheceram. Idem, retrocedendo três anos o resumo de 1996 mantem-se actual — em abstracto, poucos nomes resistiram para o resto ficar igual. Lamenta-se "sinceramente e sem elitismos" o "azar de não haver suficiente cruzamento" entre cultura e quadradinhos, "reflectindo sobre o círculo vicioso de uma intervenção predominantemente em circuito fechado" dos meios pequenos. É porém a intervenção de DI '96 que merece destaque maior, tinha-nos ao título "crítica e autenticidade".

É inegável que Hergé, Edgar Pierre Jacobs, Hugo Pratt, Winsor McCay [só para citar alguns exemplos entre os chamados "grandes" da história da bd], são na verdade artistas menores. [...] É que Tintin, Blake & Mortimer, Corto Maltese, Little Nemo, Prince Valiant não são personagens de corpo inteiro, são estereótipos ou pouco mais do que isso... as aventuras em que se vêem metidos os heróis tradicionais da bd seguem fórmulas narrativas quase sempre iguais e só muito esporadicamente nos dão a ver e perceber a vida, função primeira de toda a arte. [...] Para mim a autenticidade em arte é a existência de um processo emotivo e reflexivo subjacente à obra de arte, de uma memória, de uma ligação efectiva ao Real em oposição a um processo totalmente artificial [estereotipado] como o que existe em arte comercial. [...] Toda a arte autêntica tem algo de autobiográfico.
in "hoje, a bd colóquios 1996 e 1999" 2001

Cita-se Freud, "porque só o que é reprimido precisa de ser simbolizado; se o mundo fosse perfeito não haveria arte", e talvez o dito explique porque corremos ávidos à crítica, ganas e dentes arreganhados, resguardamos capítulos aos zines para deleite nostálgico, pantufas no velho cadeirão, e protelaremos os dizeres de autores recolhidos neste volume para o nunca. Demasiada bagagem para expôr aqui, três categorias separadas por uma distância que nos implica exclusivamente, enviesada nas conclusões das nossas teses. Cada vez menos suportamos a bd dos outros: incentivamos ao máximo que as façam, não nos imaginem interessarmos-nos nelas. Se interessantes, pessoais e intransmissíveis e aqui a nossa pérola ao complicado porquê da bd como arte que assombra o livro: se não é lida não é bd, repetimos e repetimos e repetimos. Acrescente-se porém a melhor bd faz-se, não se dá a ler.

dossiê