OS POSITIVOS

entediados à vista de todos

Pequenos exercícios podem mudar-nos a percepção da realidade à nossa volta. Como submergir debaixo de água: chegam-nos reflexos e sons distorcidos do que ficou à tona, um plano de existência outrora natural agora estranho.

Ironicamente, exigem um distanciamento que conseguimos atendendo à realidade quando outros se evadem dela. E conseguimo-lo com o aparelho de bolso que todos carregamos (pun intented), não o usando nos entretantos que perfazem o dia.

Criámos hábitos contra maré dos quais olhamos em redor de quando em vez. Especificamente, o olharmos em redor. Raros os que o fazem e sobressaem no mar de cabisbaixos de ecrã na mão. Não é hipérbole, é o novo normal. Não é crítica, é observação. Sugestivo quiçá de bom discernimento dos nossos pares: porque escolher o tédio se o podem evitar de modo aprazível?

Obviamente, entediado. Não possuímos a força de vontade para negar-nos o entretenimento constante que o online oferece, apoiamo-nos no estoicismo do nosso carácter que contraria a gratificação instantânea: casmurros. Recusamos dados no telemóvel, por mais razões do que aqui enunciaremos — as vossas suposições educadas na nossa relação complicada à tecnologia apontar-vos-á em bom caminho. Ie, "pagamos as nossas portagens na cabine" não é mera súmula poética, talqualmente caso literal. Planeamos os nossos offlines de longa duração, nadamos de ilha em ilha pelo wi-fi alheio, colecionamos inconveniências momentâneas que se somam num mundo que se reinventa em apps digitais que não instalamos, suportamos o escárnio e perplexidade dos que nos exortam a juntar ao mundo moderno.

Porém os nossos maus hábitos têm o efeito secundário de nos colocar no momento. E senhores, se tirarem o tempo para olhar à volta, vão reparar que ninguém (*) vos olha de volta.


*) Excepções: sociólogos de esplanada, freaks, predadores. (Categorizações que não se excluem.)

depressivos à vista de todos