OS POSITIVOS

a saudade do que nunca foi

Vimos muitas identidades orgulhosas, orgulhosos do slogan da t-shirt à etiqueta dessa. Vimos um one man army pelo veganismo, mochila às costas, cartaz ao ar, apito na ponta dos lábios, transpirava de uma energia inesgotável, para onde se deslocava abriam-se clareiras na multidão. Vimos militantes de partidos e sindicatos, organizados, orquestrados, respondiam em uníssono à voz no megafone. Vimos um conhecido crítico-académico-autor de BD & barba num chapéu cowboy/panamá. Seguimos conversas alheias, ouvimos reencontros, férias passadas, verão por vir, Ibiza, Prado. Intercâmbio com os nuestros hermanos, Lisbon is very nice por norte-américas, sul-americanos divertidos com este carnaval. Das ex-colónias do continente de cá, de baixo, dos que lavam escadas e sanitários, pouco vimos: um raro dia de descanso não se festeja a descer a baixa. Parêntesis para notar que esta urbe não se presta a nenhum dos seus concidadãos: os bancos de jardim, poucos e far between são tudo o que precisam de saber da Avenida da Liberdade, local de passagem que não convida à demora. Vimos um só sem abrigo, imóvel contra uma árvore, espectador. Quase não o vimos. Vimos menos bicicletas. Vimos mais copos de cerveja que garrafas de água, mesmo plástico. Vimos mais reformados que crianças, mais quarentões que jovens. Faltou o pólen da época, com ele a garganta irritada, os olhos lacrimosos. Ou mais rudes-porque-rurais, os olhos secaram, a garganta reservou-se. Vimos dois carteiristas avançar como torpedos pela multidão, sequiosos do alvo, absolutos da sua impunidade. Vimos o maior destacamento policial de sempre de qualquer 25 de abril, o povo já não se basta a si, tornados convidados à sua própria festa. Vimos os chaimites, os cravos, o folclore, a saudade do que nunca foi (*) Tanto vimos, que nos recorda o filme da última vez. enviesada com o processo de disneyficação em curso na mesma parada.

Vamos-mos do centro atravessando uma cidade mais vazia que habitual, calor infernal, janelas roladas, braço pendurado, tralha diversa na bagageira para o fim-de-semana. Um último olhar no retrovisor e we-outta-here, punx. Later, voltamos no primeiro de maio.

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