OS POSITIVOS

civilização contra civilização

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Atravessamos um período de literatura pós-pandêmica prolifera em reconsiderações de prioridades. Uns decidem-se voltar ao campo e cheirar as flores, muitos despedem-se sem qualquer propósito específico que não viver a vida, empregadores nas actividades mais comezinhas queixam-se que não conseguem quem queira meter mãos à obra e vestir avental — omisso no lamurio: que o vencimento não cobre as despesas casa-transporte-alimentação a quem lhes renda as melhores horas do seu dia por vários anos da sua vida. Os norte-américas já lhe deram um nome, "the Great Resignation", e histórias repetem-se, da dúvida existencial nos mais afortunados à sobrevivência dos menos qualificados, registadas ao oblívio na imprensa de fim-de-semana ou em estatísticas académicas que somarão às contas do currículo. Antes que essa aura de outras possibilidades civilizacionais se enterre sob os destroços da Máquina que retoma predação — e, se semi-fecharem os olhos, talvez notem alguma nota a outros maneirismos do velho sistema —, deixamos confissões do currículo na intersecção do anarco-primitivismo em virtualidades. Lit então:

If great literature could wield its power through nothing but black squiggles on a page, how much more could be done with movement, sound, and color? The potential for emotional interaction through this medium struck me as both fascinating and enticing.
in "Sid Meier and the Meaning of 'Civilization'" 22 set 2021

O medium não são os comics, mas outras sequências num retângulo perto de vcs: videojogos. Pesem as semelhanças a raiar do subproduto cultural infantil que urge proteger da violência ou apenas renegar pela dumbmificação do seu público, estes destronaram todos os entretenimentos conhecidos à espécie humana sem qualquer alarido ou fanfarra na psique civilizacional, ie, zeitgeist, estando para a indústria do cinema e até dos desportos como a indústria do cinema está para os comics que lhes alimentam blockbuster atrás de blockbuster: num outro campeonato.

The $179 billion gaming industry is by now bigger than the global movie business and North American professional sports combined.
in "Confessions of a Sid Meier's Civilization Addict" 30 ago 2021

Contribuímos à dita com tostões — uma juventude sobrevivida de cópias pirata, as únicas permitidas dos restos de uma mesada com outras prioridades, again, not comix —, e um único jogo de eleição: Civilization do Sid Meier.

"introduz o novo modo de jogo Zombies" + "não disponível em Português (Portugal)" 25 mar 2021

Convencidos desde a sua primeira edição, acabámos, sempre fora de ciclo, por adquirir todas as suas evoluções (menos variações, como nos comics, não colecionamos capas). E como noutras diversões, as mesmas predileções: seguimos por hábito à vitória cultural, algumas vezes a científica, atacar cedo os que nos são mais próximos — não queremos ninguém por perto, really — e nunca, mas nunca-nunca alguma vez uma só que seja nos sentimos tentados pela vitória diplomática: obrigar-nos-ia a cortejar a simpatia dos demais, algo além das nossas competências.

Este é um jogo que nos agarra por horas — dias: jogamos epic —, traduzidas em eras ao longo das quais desenvolvemos a nossa pequena aldeia pré-histórica ao império global, começando com pouco mais do que um colono perdido numa paisagem desconhecida, por sucessão de escolhas e azares, recursos explorados e políticas enaltecidas — fascismo ou democracia?, sem resposta óbvia... —, mal-dizeres reputacionais para minar relações internacionais de terceiros (*) O submergido 20 set 2021 Austrália / França é só um exemplo da realidade a imitar a ficção. e incursões militares oportunistas.

Fora muitas considerações que queiram atirar à fogueira do brincar à evolução da sociedade humana, poucos suspeitam do seu pecado maior aos olhos de primitivos verde-profundos: agricultura. Nas versões modernas, a tecnologia base, fundamental e adquirida, e nas antigas a primeira a pesquisar, quando não dada-de-dado a algumas civs como bónus inicial. Ora, conhecem-nos uma tendência latente deste vosso escriba:

The past 10,000 years have after all been largely a history of "solutions" to the problems of an agricultural society [as] all of these individuals agree that civilization was a mistake that has had disastrous consequences for human and non-human life.
in "What is Anarcho-Primitivism?" 2005

À vossa imaginação reflexões cruzadas entre civ artificiais e reais com deixa dos senhores acima a recuperar citações de "symbolic representation run amok" do mesmo Guy Debord (e do velhinho Unabomber entre outros) que recordamos anteriormente. Cruzem então, já que estamos em época de cruzinhas:

All that once was directly lived has become mere representation.
in "What is Anarcho-Primitivism?" 2005

...das quais fechamos contradição maior. Que se rejeite qualquer tecnologia acima do raspar de pauzinhos nas "pages of anarchist magazines and websites" não é maior paradoxo que ficar em casa a jogar às civilizações no dia que outros jogam-no de rua. Conseguimos, pelo menos, uma enorme satisfação do nosso tempo. Vocês? Reconhecemos, pelo menos, que o nosso espectáculo é uma simulação. Vocês? Do vosso jogo de eleição, resignados a quantos mais turnos? Prioridades, senhores.

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