pagando por eles
Hoje, numa qualquer banca da feira de livros de LX, front & center ao principal destaque dessa editora pego no livro e levanto-o à dragon lady: "não estás a ler este?" "Já acabei. Uma merda de todo o tamanho." Sem pudores e a cair nos ouvidos alheios de todos os que ali se juntavam. Seguimos, sem olhar pressupôs a crispação de quem atrás do balcão embuchou sem resposta pronta para quantas vendas aquele comentário lhe custou entre os curiosos. "Sabes que mataste a toda a gente que te ouviu a vontade de ler o livro, né?" "Fiz-lhes um favor" responde em automático e desinteressada: "agora podem comprar qualquer coisa melhor".
Inspirados nesse bom samaritanismo, mini-mini-micro "já acabei" + "coisas melhores" para gastarem o vosso $$$ de modo consciente e informado — OS POSITIVOS: porque não vamos ficar atrás da megababe em verdades que devem ser berradas dos telhados.
O nosso caso em ponto porque ninguém nos deu o mesmo alerta, comprámos umas bancas depois um "Roughneck: Um Tipo Duro" por Jeff Lemire, “o Stephen King dos comics” (blurb da capa), edição portuguesa da G.Floy, "comovente e poderoso" na contracapa, "uma obra prima de um dos maiores criadores de banda desenhada contemporâneos". Com vários prémios por várias outras obras, Lemire é-nos pacífico e até lhe estendemos uma boa-vontade à razão do "Essex County" e "Lost Dogs" por exemplo, mas desiludidos com este seu volume, especialmente porque nos vendem no pacote a experiência de "um dos melhores contadores de histórias canadianos — em qualquer medium". Que, tristemente, não estará em qualquer lista de recomendações que façamos a terceiros se os quisermos interessar neste meio em particular.
Expectativas goradas!, desgosto tanto maior quando julgamos que parte dessa se deve à discrepância cada vez mais inconveniente da banda desenhada apresentada em formatos que não a favorecem, inevitavelmente inflacionando preços e deflectindo importâncias. Pensemos punx rasteiro a 5 euros a entrada numa cave de condições suspeitas: estamos no lugar certo. Mesma banda mas pedem-nos smoking obrigatório à entrada do salão com fosso reservado à orquestra e preços de bilhete a condizer, e toda a experiência está estragada. Fora as contas da G.Floy que o seu editor poderá certamente explicar à exaustão com uma lógica incontestável, da perspectiva deste leitor o preço do livro (anunciado a 30€, pagámos 24€) é sobre um premium que se justificará apenas pelo formato. Capa dura e papel xuxu a 25x19cm, são 272 páginas de “novelo gráfico” e terá sido nessa sua condição que nos delapidaram recursos mais bem empregues noutras leituras. Mesmo livro mas papel revistinha e um preço coerente à improbabilidade de o conseguir preservar num estado manuseável à próxima geração — por oposto, a edição em mãos vai aborrecer de herança em herança mais pessoas que devia importunar —, e teríamos efectivamente apreciado a história pelo que esta é: pulp. Ao invés, este "tipo duro" trasveste a sua natureza elevando fasquias à qual cobram valores acrescentados que nos atrapalham o seu apreço.
Em sentido contrário, as primeiras páginas dum bem mais modesto — preço, pacote e hype —"Luzes de Niterói" de Marcello Quintanilha editado entre nós pela Polvo 2018 na sua coleção Romance Gráfico Brasileiro, estão a escorregar bem mais agradáveis. Ligeiramente mais pequeno, menos páginas, ainda (e mais) cor, história mais fluida, menos mecânica, personagens mais humanas, menos Hollywood, layouts mais criativos, menos talking heads. Em geral, um livro categoricamente mais interessante que o mono anterior, e ao contrário desse não nos envergonharia impingi-lo (*) a alguém que soubéssemos duvidar das qualidades da BD para literatura a crescidos.
*) Passamos igualmente na Chilli com todo o intuito de trazer o que pudéssemos salvar à posteridade do catálogo da MNRG agora que essa já não existe. Fuck me! se encontrei alguma coisa que pudesse em boa consciência convencer incrédulos à BD. Como na G.Floy atrás, pregavam aos convertidos.
