OS POSITIVOS

banalidades modernas

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Duas coincidências, mesmo dia, ainda mesmo livro base: “Fascistas”, Michael Mann, prefácio de António Costa Pinto.

Primeira: em mais um acto de atroz tirania para conseguir criar hábitos de leitura ao mais novo — resistido com uma tentativa de sublevação de ferocidade inigualável — calha a vez ao "Tão, tão grande" do seu manual escolar, adaptado. Neste, "certa manhã, ao acordar, o Samuel deu por si na cama transformado num gigantesco hipopótamo". Estupefacta, a criança consegue eventualmente rebolar da cama, pôr-se de patas e olhar-se ao espelho. Sorrimos, não da sorte que lhe coube, mas porque horas antes outra metamorfose era tema para crescidos. Esta adaptada de Eugen Ionesco, a acordar toda uma aldeia nazi rinoceronte:

avançamos com a época à pag. 322

Da companhia deste dramaturgo do absurdo que "para lá de ridicularizar as situações mais banais (retrata) de uma forma tangível a solidão do ser humano e a insignificância da sua existência" in Wikipedia, passamos a outras insignificâncias banais e ridículas com a ajuda da última crónica de AG a calhar folhear por sítios terceiros que não é de bom tom divulgar, esta a propósito daqueles outros senhores de sempre: jornalistas. Em retalhado:

A partir do momento em que se entrou na época da “pós-verdade” o ponto mais elevado a que se ergue o jornalismo, nas suas auto-representações, através das quais ele reivindica um capital de prestígio designado como “jornalismo de referência”, é o fact-checking, isto é, a verificação da informação que, por qualquer meio, é posta a circular no espaço público. O processo de fact-checking, pelo qual os que o praticam outorgam a si próprios o estatuto de sujeitos-supostos-saber [...] não deixa de ter um sabor amargo e de provocar a suspeita de que ele não ousa dizer o seu nome completo, muito menos virtuoso do que parece.

Este jornalismo que faz do fact-checking a sua bandeira de combate é incapaz de reconhecer o papel activo que desempenha no mundo político da pós-verdade, desde logo porque se situa exclusivamente no campo das verdades factuais e, para além delas, é incapaz de discutir o que quer que seja, como se o mundo — político, social, cultural, etc. — fosse um conjunto de factos e acontecimentos e estes esgotassem tudo o que há para ser dito. Esta é a grande falácia do fact-checking. Os mesmo que fazem com toda a convicção o fact-checking são os mesmos que não sabem perceber que os factos, muitas vezes, dizem muito pouco acerca de si próprios e que até os discursos imbecis podem ser inteiramente feitos de verdades. Os noticiários televisivos são hoje uma amostra muito eloquente desta fetichização dos factos, das imagens que mostram a realidade e no entanto mentem ou induzem à mentira.
António Guerreiro, in Público, 03/07/2020

E sorrimos: segway retrocedendo umas quantas páginas na História, saídos duma Roménia semiautoritária-reacionária e aterrados no fascismo revisionionista imperial-proletário da Hungria, mas que podia ser em qualquer sítio, qualquer altura:

E na política, um mínimo de credibilidade, mas sonante — e nunca um padrão elevado de verdade —, é que manda.
Michael Mann in "Fascistas" 2011

Fim.

Mas porque não fazemos duas sem três, notamos mais uma coincidência no overlap de modernismos transversais. Um diz que nos dizem da "aversão à modernidade" pelos "soldados intelectuais da desconstrução", outro fala dos que falam com "frases de modernidade oca" que "ainda dominam a política" e aponta "ao século XXI". Um futuro-moderno-averso como aos fascistas funciona bem.

mesmas jornas