OS POSITIVOS

dois irmãos

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da província

E se estamos de conselhos... A propósito de "Dois Irmãos", por Fábio Moon e Gabriel Bá, adaptado de Milton Hatoum, retornado à circulação numa edição da G.Floy Studio. Boa história, boa arte, reconhecido com vários prémios da especialidade, sobre uma obra literária também ela premiada entre os seus, e como tantas outras condenada ao limbo das bds incapazes de subir à santíssima trindade das obras de referência no imaginário comum — leia-se: "sunday piece do ‘a BD já não é só para crianças’" — no qual encontramos um Maus por Art Spiegelman, a trágico-comedia da Alison Bechdel ou qualquer coisa pelo Joe Sacco.

Os ingredientes estão todos lá. Aos Maus, uma história que atravessa gerações com eventos que marcam de pai para filho (para neto) contada por quem lhes sobrevive. À "Fun Home: A Family Tragicomic" não ficam atrás da Bechdel em diversão: além da mansão de família que ocupa lugar central em toda a tragicomic dos gémeos, a trama é pontuada recorrentemente por tensões sexuais e encontramos no pai ressentimentos profundos contra os filhos pela atrapalhação dos seus devaneios carnais. Com a história a estender-se da primeira guerra mundial, segunda, ditadura militar do Brasil, enredado de imigrantes do médio oriente com libaneses, sírios, judeus, católicos e muçulmanos à mistura (*) Ou façam as vossas comparações ao Persepolis de Marjane Satrapi para pontos extra., temos mesmo que fazer pontes aos livros do Sacco? Hell, se os irmãos Moon-Ba têm índios amazonas, o Sacco junta-lhes 1 maio 2020 agora esquimós do Canada.

Sobre uma base sólida e comprovada, com um resultado sólido e com-premiado (piadinha de palavreado nosso, mas os senhores somam entre outros senhores um Eisner e um Harvey), a obra não consegue sequer uma short-list ao Booker Prize — e por comparação à Sabrina do Nick Drnaso contamos não uma, mas pelo menos três namoradas desaparecidas e angústia dessa perda...

Não será o texto suficientemente literário? Já o era de base e o original que sustenta a adaptação foi galardoado de louvores. Talvez falhe porque é literário demais? A BD mais artsy-logo-adulta quer-se agora desprovida de narrativa, são modas e se esta reza piamente ao altar dos literários pecará por aí. Ou talvez falhe por ser uma biografia dissimulada, disfarçada novamente, e finalmente nem por isso: de Hatoum pouco sabemos além da ascendência e poiso, mas fora semelhanças é uma obra de ficção; já dos gémeos que trabalharam a história dos outros gémeos só por algum gimmick de marketing poderiam fazer-nos crer que ela lhes toca pessoalmente (apesar do tentarem, a dedicatória segue à "Dona Duda, a nossa Zana" para comparações). Neste ponto insistimos: nunca nenhuma parceria de BD terá o mesmo impacto que uma obra contada a uma só voz (*) Mas talvez possamos mesmo pendurar culpas no ficção/não-ficção. Fora a voz, os visuais. Terá a sua cinematografia prejudicado a seriedade da obra? O preto e branco terá exigido uma literacia demasiado especializada aos seus leitores para que estes consigam transcender o meio? Não terá sido o cartoon, sabemos dos Ratos & Gatos que anatomias exactas dispensam-se, como sabemos do Sabrina que não precisamos de saber desenhar de todo. Talvez por isso a arte seja boa demais para uma BD séria que pretenda entrar no cânone das recomendações graves: um inventário rápido de qualquer BD digna de menção entre a crítica informada revela que todas elas devem hoje mais ao rabisco que ao traço?

Se uma boa arte e um bom texto prejudicam a BD resta-nos crer que a única banda desenhada capaz de escapar ao estigma do meio é aquela que na soma ignora as partes? Não temos resposta para este enigma, apenas notamos que uma BD com toda a linhagem certa não consegue escapar ao inferno de ser apenas mais uma BD.

...Apesar de todas as semelhanças que partilha com umas outras que excepcionalmente conseguiram um estatuto maior fora do lar ancestral, condenada a desaparecer pelos becos escuros que a engolirão pelo fina--- ah spoiler alert! Fuck it, ficamos por aqui.

promessas