OS POSITIVOS

A ler de Guerras na Paz do telemóvel

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« Ironizo, claro. E daí, sei lá. »

Tunnin' out in old realities e continuando o nosso stockpile de literatura, mashup para duas peças do Público no tópico de cultura, imprensa, digital vs papel. Começamos pelo final da fábula reinterpretada em intenções para mote, a recordar porque meio mundo acordou surpreendido para os nazis e a outra metade, sem surpresas, deitou-se na cama com populismos.

O ponto é que passamos o tempo a contar histórias uns aos outros. Ou, como agora se diz, criamos narrativas. Produzi-las, por si só, sem base de sustentação, não muda a realidade. Mas nomeá-la de uma outra forma, a partir de novos ângulos, por vezes surpreende-nos e contribuiu para a transformação da mesma.
in "Uma ideia genial! Os jornais em papel!" 27 jul 2019

Feche os olhos. Imagine uma inversão histórica. Está na praia e o calor, para além dos reflexos do sol no visor, também não propiciam a melhor experiência de leitura com telemóvel. O vendedor aproxima-se de si, "é uma nova invenção", diz-lhe o homem. "Chama-se jornal em papel!" Respira o ar dos tempos retromodernistas, deixa um leve fluído orgânico nos dedos, e ainda por cima liberta um odor biológico, tudo isto por pouco mais de um euro. Quem não se renderia?
in "Uma ideia genial! Os jornais em papel!" 27 jul 2019

Conhecemos uns quantos que, ao contrário de depor armas, lançar-se-iam ao massacre.

Não é mais agressivo, estridente, polémico e pouco reflexivo no espaço digital? E já nem falo do excesso de informação com pouco conhecimento que circula e do facto de passarmos o tempo a procurar comunicar entre iguais, realimentando as nossas interpretações do que acontece. É como se tivéssemos desistido de exigir cabeças livres que pensam por si próprias. Damo-nos satisfeitos com a lógica de identificação grupal.
in "Uma ideia genial! Os jornais em papel!" 27 jul 2019

E não esperamos grande resistência, como Roma de bárbaros às portas falta-lhes a disciplina das anteriores legiões para se defenderem. Tivessem feito outras leituras: infiltrem diferentes grupos, atrapalhem comunicações entre desiguais, tenham uma fome insaciável de interpretações, nunca abdiquem de pensar por vocês mesmos porque, ao fim do dia, este é território inimigo.

Não é apenas o formato. Os conteúdos também.

Os jornais em papel, nesse aspecto, são uma paz de alma. A nossa reacção a eles é lenta, mais de acordo com o futuro que desejamos.
in "Uma ideia genial! Os jornais em papel!" 27 jul 2019

Desconfiamos desse futuro desejado mas temos pressa para, a partir de novos ângulos, contribuir à sua transformação. Contado o conto, agora a sério: JPP e leituras mais cuidadas, vergadas a elitismos culturais (o tique encontrámos na referência à Wikipedia ou no "nem foi preciso chegar ao telemóvel" para "a indigência cultural que já está bastante instalada nos nossos dias"...) Explanações que repetem com maior frieza os queixumes anteriores: do alto da muralha dão o alarme.

A leitura não  vive sozinha, vem em pacote com o modo como as sociedades evoluem, com a economia, a política e a religião, incrusta-se na educação e acompanha as grandes tendências dessa coisa intangível que é a "mentalidade", a "visão do mundo". O modo como lemos pode tornar-nos mais ricos ou mais pobres e tudo nos atira para a superficialidade, a preguiça da rapidez, o comodismo do pensamento débil, mesmo com diploma universitário. E havendo mais gente que lê, o que é muito positivo, existe também o movimento inverso, para ler pior. É um movimento social, e nem tudo o que muda é positivo do ponto de vista, chamemos-lhe assim, civilizacional. Tudo nos atira para um presente assente no consumo e nos placebos, melhor ainda no consumo de placebos, de saber transformado em soundbites, de gente sem verdadeiro poder.
in "Ler a Guerra e Paz num ecrã de telemóvel" 27 jul 2019

OS POSITIVOS, em soundbites: movimento anti-social de gente sem poder que ronda o fosso à procura da sua parte mais shallow (*) Piada à cultura popular! para atravessar.

Ora, fatalidades, a cidade cairá, mas ameaça ruir antes de entrarmos. Pacheco declara-se douto da sua modernidade (*) De resto, como o génio anterior "porque quando se vai para essa discussão já se leva o carimbo na testa de derrotado ou de nostálgico." inaliável —

Não tenho nenhum fetichismo dos livros, nem do papel, nem saudades do cheiro, ou do pó, dou-me bastante bem com computadores, tablets e telemóveis. Não tenho a mais pequena saudade das máquinas de escrever, agora que escrevo num processador de texto e por aí adiante.
in "Ler a Guerra e Paz num ecrã de telemóvel" 27 jul 2019

— mas crítico de modernices.

Hoje há muita gente deslumbrada com as novidades tecnológicas que acha três coisas perigosas: uma é que estes processos são inelutáveis e temos de aceitar tudo que as grandes empresas nos querem vender e que a moda nos faz comprar; outra é que elas são inócuas nas mudanças sociais que ajudam a implementar; e, por fim, que criticar estas tendências é uma atitude passadista.
in "Ler a Guerra e Paz num ecrã de telemóvel" 27 jul 2019

O seu erro, e de outros, o não considerem os vândalos e demais hordas do lado de fora desse gate com cada vez menos keepers. Considerem: primitivistas primários não deslumbrados com as novidades, críticos de processos que não aceitamos e que sabemos não ser inócuos à sociedade, mas com um twist. Não fazemos a apologia do seu abandono, incentivamos à sua apropriação — outros futuros, senhores.


Porque importa? Segway às teses: JPP contribui (acidentalmente) ao debate da BD digital na frente dos formatos:

Já que circula por aí, nestes tempos de deslumbramento com os devices, que é indiferente ler-se num livro ou num ecrã de telemóvel, o que conta é ler-se, eu penso que este desafio mostra que não é bem assim. Penso que há limitações objectivas nos nossos sentidos que precisam de "espaço" para ler, e acima de tudo precisam de uma forma especial de tempo, tempo lento, para ler determinados textos, em particular ficcionais. Se aceitarmos que a leitura migra para os pequenos ecrãs como se não se perdesse nada pelo caminho, então teríamos de admitir que um número significativo de grandes obras da literatura mundial deixaria de ser de todo lido.
in "Ler a Guerra e Paz num ecrã de telemóvel" 27 jul 2019

Mas desses para outro dia.

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