OS POSITIVOS

I’m not in a motorcycle gang

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Quando paro num semáforo ou afim e outra moto estaciona ao meu lado, o seu condutor acena-me silenciosamente com o capacete. Cordialidade motard, imagino. Não quebro o silêncio e devolvo-lhe impávido a resposta no olhar: “wha...? Eu não te conheço, gaijo.” Sempre o silêncio, agora constrangedor. Sinal abre, zarpamos os dois, normalmente ele com mais pressa do que eu.

Uso a moto para ir onde quero, onde farei o que preciso, razão da viagem. No processo, faço-o esquivando-me do trânsito que se acumula pelas estradas, incapazes de imaginarem alternativas para chegarem os seus destinos. Condenam-se a um quotidiano miserável mas não mudam de hábitos, no processo fodem a vida a todos. Habituei-me a conduzir fora de faixas só para os evitar. Subo passeios, enfio-me por onde não me querem, mas é ponto de honra que não circulo em contra-mão — excepto se não há volta a dar.

A moto é um meio de transporte.

Não é a minha identidade.
Não é uma comunidade.

Alguns anos atrás as motos poderiam ser parte de um modo de vida, que permitia uma relação entre dois desconhecidos momentaneamente estacionados lado a lado, dois alpinistas que quis o destino reconhecerem-se no armazém de hardware antes de subirem ao Evereste (*)Metáfora dentro de metáfora: pontos a dobrar.. Hoje não há nada de místico nestas, são meramente utilitárias. Nada me liga a outros que conduzem motos, de quem nada sei, a que vão ou onde veem, indiferente se sentados em duas ou quatro rodas, e quase tenho mais respeito por aqueles que cruzo de bicicleta contra todas as probabilidades.

Outras vezes, várias vezes, quero conduzir a moto per se, independentemente dos afazeres do dia. Nesses dias, simplesmente gosto de andar na moto. Não vos vou tentar explicar porquê, é pessoal, cada um sabe de si. Mas continuo a distinguir entre o prazer de conduzir a moto e a adoração do veículo. Não me ocupo de mecânica, não me preocupo com as últimas novidades a chegar ao mercado, não sigo revistas da especialidade para comparações de modelos. Não kito a moto com peças me são impronunciáveis e benefícios perceptíveis apenas aos que deliram em escalas de performance que me são completamente estranhas. Não concebo hierarquias de motos intrinsecamente melhores e piores que dependem da preferência do seu condutor e o que ele faz dela. Fascina-me que haja quem goste de motos e debite factoides enciclopédicos destas em acelerado como se na pista de corridas, e que no entanto já não vão a lado nenhum sem o seu pópó.

Finalmente, I like tha ride, mas — e espero que a metáfora não se perca em vocês —, I like to ride, alone.

Do que cada qual faz com a sua moto: não quereria que me pagassem para fazer dela minha profissão (*)Mas não me oponho em dividir custos da gasolina se alguém vai à boleia comigo.
Ainda estão comigo na metáfora?
: prazer e obrigação não são conciliáveis. Eu não sou, nem quero ser estafeta — a quase totalidade daqueles que trabalham sobre a sua moto. Ou o sonho molhado desses, piloto de corridas, que de tanto fantasiarem que o são enquanto fazem as suas entregas esquecem-se que poderiam ganhar a vida mudando de profissão para outras mais renumeradas, e seguir de moto quando lhes apetece, porque lhes apetece, com mais prazer à viagem.

E se não é óbvio: não estamos a falar de motos.

barbie got roadkill

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