OS POSITIVOS

realismo capitalista 6

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Neste ponto o "Realismo Capitalista" de Mark Fisher depende de conceitos abstractos em terceira mão (Lacan a Žižek a Fisher). Este é um dos capítulos mais teóricos e não por acaso o que mais depende de "O Processo" de Kafka para comparações. Na parte que nos interessa, o bottom line enreda-se nas relações entre a) burocracia como inerente ao capitalismo e b) o papel da publicidade e das relações públicas como agente legitimador dessa burocracia já que c) essa apenas é viável como espectáculo ao big Other. Mesmo na brevidade que esperamos alcançar teremos que vos convencer da realidade de mercados estalinistas — aquilo da burocracia... — à mistura com a crise do simbólico — aquilo do big Other.... Fun, I tell ya.

Da constactação que o neoliberalismo não matou a burocracia como propagandeado pela publicidade anti-commie, sobre episódios dos quais faremos o registo do seu primeiro exemplo, MF demonstra-nos que esta é afinal uma parte fundamental do late-capitalism e não uma aberração distorcida deste. A intensificação de medidas burocráticas sobre regimes neoliberais que se apresentam anti-burocráticos e anti-estalinistas assume a forma de "alvos e objectivos", "resultados", "declarações de missão" e culmina ainda com contradição entre o slogan "being smart" e a crescente importância da regulamentação e camadas administrativas que a gere. A sua explicação devolve-nos à sociedade de controlo, cujos mecanismos exigem fórmulas de vigilância que apenas podem ser executadas por um crescente aparato de red-tape — graças às tecnologias de informação, não só existem mais managers como mais informação para estes gerirem —, particularmente os serviços que resistem à sua marketização — a educação, serviços de saúde, a polícia e segurança, etc — pois a necessidade de avaliar a performance de actividades que são pela sua natureza difíceis de quantificar obrigam a artificialidade de soluções administrativas que naturalmente resultam em mais camadas de burocracia. Da crescente burocratização de serviços, MF denomina o actual estado de "estalinismo de mercado", porque a) se coloca o simbólico acima do Real – valorizar os símbolos dos feitos alcançados acima dos feitos propriamente ditos —, passando a demonstrar que b) tudo se funde nas relações públicas. Sim, não: não é impressão vossa — aqui entramos em filosofias de ponta.

All that is solid melts into PR, and late capitalism is defined at least as much by this ubiquitous tendency towards PR-production as it is by the imposition of market mechanisms.

Enter big Other. Žižek sobre conceitos de Jacques Lacan — psicanalismo com estruturalismo à mistura, tríade simbólico — imaginário-Real. Ficção colectiva, é a estrutura simbólica pressuposta pelo social que nunca pode ser encontrado, apenas confrontado pelos seus stand-ins e, sobretudo, o big Other não sabe tudo: a sua ignorância é a base essencial que fundamenta a sua fantasia, e garante das relações públicas. E agora o fine print. A distinção entre o que o big Other sabe — o que é oficialmente aceite e reconhecido — e o que é verdadeiramente sabido e experienciado por todos os indivíduos não é apenas uma discrepância formal vazia, mas a base que permite a realidade social comum funcionar:

When the illusion that the big Other did not know can no longer be maintained, the incorporeal fabric holding the social system together disintegrates.

Das realidades sociais ao realismo capitalista, diz-nos MK que neste a crença no big Other está em declínio, e o pós-modernismo não é mais do que o nome que damos às diversas crises desencadeadas por esse declínio na fé dessa fantasia social funcional — com ecos à formulação de Jean-François Lyotard: "incredulity towards metanarratives" e desenvolvimentos sobre Land que iremos ignorar monumentalmente. Entre outras consequências, coabitamos com a cultura oficial do capitalismo que o retrata como socialmente responsável, quando todos têm uma consciência clara que este é por design destruidor e voraz. Estamos portanto de regresso à ironia e cinismo do pós-modernismo, no qual deixamos a nota, e como com o Nick, saltamos: os parágrafos de MF sobre eficiência simbólica tem o seu valor — Baudrillard: a abolição do simbólico não leva a um encontro com o Real, mas à sua hemorragia —, mas acrescenta pouco às nossas teses até que tece comparações ao Big Brother, o programa de televisão. Deste, em que o telespectador cumpre o papel de decisor em vez das anteriores estruturas centralizadas, diz-nos Mark:

We are integrated into a control circuit that has our desired and preferences as its only mandate – but those desires and preferences are returned to us, no longer ours, but as the desires of the big Other.

Devolvendo-nos novamente à burocracia pós-fordiana na sua relação próxima ao grande Outro: a frustração que sentimos em lidar com esta resulta justamente da impunidade e sobretudo impotência dos burocratas que não são responsáveis pelas suas decisões: limitam-se a seguir as instruções que possuem procurando interpretar as intenções do big Other. Esses actos de interpretação e deferimentos de responsabilidade são justamente a consubstanciação do big Other — do qual já não acreditamos, e com os labirintos processais de Kafka chamados a depor, sentencia Mark que no capitalismo tardio não existe a possibilidade de apelo a uma autoridade derradeira que possa oferecer uma versão oficial final aos conflictos gerados.

Mas contrariamente ao decrescente de fé que tenhamos do big Other, este subsiste e avoluma-se, comprovação fácil pela cultura de auditorias que o pós-fordismo exige. As auditorias como fusão de relações públicas e burocracia — burocracia enquanto meio de justificar uma necessidade promocional — invadem todas as áreas de trabalho e serviços, aliada à não menos nefasta imposição dos próprios trabalhadores funcionarem como auditores internos que se vigiam mutuamente e a si próprios — obrigatoriedade da sua auto-avaliação de performance (com drive-by de "Discipline and Punish" de Foucault). Esta é outra frente onde o realismo capitalista choca Real com realidade, uma que — e regressamos à promessa inicial de reportar o exemplo introdutório do capítulo — combina na perfeição o moto do sê esperto, o "work smarter, not harder", concebido para diminuir a resistência dos trabalhadores à mudança, aliado à ideia de que não existe alternativa. Com o "Office Space" ("O Insustentável peso do Trabalho") de Mike Judge por base ao retrato das relações laborais e práticas burocráticas, o ambiente de trabalho é caracterizado de "shirtsleeves-informality and quiet authoritarianism", "keeping with the ‘being smart’ ethos", no qual os empregados devem decorar os seus uniformes com peças que expressem a sua "individualidade" e "criatividade", a exemplo das exigências que se tornam intrínsecas à sociedade de controlo: insatisfeitas com exigências de produção, o trabalhador deve agora submeter também os seus impulsos afectivos e gostos pessoais. Simultaneamente, esse exemplo ilustra o fenómeno das expectativas escondidas por detrás de normas oficiais: um episódio demonstra que as peças, sete segundo o regulamento, são inadequadas se os trabalhadores apenas cumprem esse número e espera-se que eles coloquem tokens da sua individualidade criativa além do mínimo exigido.

Enough is no longer enough. This syndrome will be familiar to may workers who find that a ‘satisfatory’ grading in a performance evaluation is no longer satisfatory.

the big Other & a crise simbólica

fim de silly season