OS POSITIVOS

Entrevista a José de Freitas pt.1

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Iniciamos do queixume recente de uma bibliotecária anónima a partir da quinta do spirou 3 jan 2019 em BD alternativa vs. comercial e da saturação que as coloca "num mesmo plano horizontal comercial nas livrarias com milhares de obras em competição, ficando os únicos critérios de distinção as capacidades de distribuição e 'marketing' das editoras". Desconfiados da possibilidade de outros critérios de distinção, distribuição e marketing comixwise são o nosso segway à entrevista que se segue:

Chama-se José Hartvig de Freitas e é responsável — directa ou indirectamente — por boa parte da banda desenhada editada em Portugal nos últimos 20 anos, primeiro na Devir, agora na G. Floy Studio e associado aos projectos da Levoir, Panini e Salvat.
in "José Freitas: ‘Este ano de edição de BD no nosso país foi excepcionalmente bom’" 11 nov 2015

Descrito como "directo e incisivo na forma como defende o que publica", "obviamente por interesse económico, mas também por genuína convicção" (*) A Garagem, "Entrevista a José Hartvig de Freitas" maio 2017, entretanto offline porque a web rots., "um notório subversivo" nas suas próprias palavras, José Hartvig de Freitas é uma figura reconhecida na BD nacional, quer pelos seus esforços pioneiros de uma certa linha editorial que culmina por alturas da Devir PT em virar de século, quer pela imensa produção que se lhe deve na sua segunda vinda. No espectro oposto das pequenas edições independentes e alternativas e das preferências de BD que nos ocupa, convidámo-lo à vossa atenção com uma ressalva importante: somos alheios ao conteúdo das suas edições — para essas leiam os x mil reports espalhados a sete ventos — mas é-nos interessante registar os moldes em que ocorrem. JdF possui duas fortes razões para merecer a vossa curiosidade: i) indicador de tendências na indústria, dentro destas ii) a sua relação particular à imprensa. Sendo a BD que lhe é afecta primariamente o comics super-hero, mas não exclusivamente o de capa e collants, esperamos que nos perdoem se o elegemos como um dos rostos possíveis da mais óbvia tendência comercial mainstream de BD, aquela que mais facilmente associamos à cultura de fanboy com tudo o que de lamentável esta acarreta. E será nessa capacidade que o sentamos no lugar de réu entrevistamos.

Perdoem-nos o lapso, ninguém está a ser julgado. Este é um safe place. Safe, como em é seguro deduzir que chegamos de ideias feitas e pedras nas mãos.

Ligado ao lançamento do Magic The Gathering em Portugal, e antes desse aos Dungeons & Dragons, colaborador da Panini e Salvat, pela Devir Portugal deu continuidade à publicação da Marvel de 99 a 2005, irrelevância que salvamos aos nossos propósitos porque nessa condição terá arriscado mudanças de formato da revista ao livro. Uma transição pacífica hoje, talvez não tão óbvia então. A sua relação à imprensa é-nos igualmente um candy que iremos saborear mais à frente. Depois de um hiato onde exerce actividades sem associação à BD, como "a gestão do dia-a-dia e do marketing" numa "das maiores clínicas de acupunctura de Lisboa" (*) in "José de Freitas na Tertúlia BD de Lisboa" 2 dez 2014 regressa em 2012 às edições nas coleções Levoir  e em 2014 assume a gestão editorial da G.Floy.

Implicado às casas mais emblemáticas que poderiam imaginar (Marvel e DC: check!, e não paramos por ai no seu currículo), é senhor de um percurso versado não só nos aspectos práticos da publicação (formatos, paginação e legendas, impressão, distribuição...) que poderia partilhar com os seus parentes distantes do indie-publish DIY zine, mas igualmente naquelas áreas que fariam qualquer punk rolar os olhos e querer atirar projectos janela fora: estudo de mercado, negociações, contractos, licenças, etc. Citemos exemplo a propósito da Colecção Oficial de Graphic Novels Marvel 16 nov 2015, parceria mundial entre o grupo Hachette e a Panini na qual este envolvido: "numa empresa grande como a Hachette/Salvat, existem objectivos a nível europeu, orçamentos para gastar, questões de concorrência", meandros em que José de Freitas parece mover-se com à-vontade. De facto, um empreendedor de mercados globais: da mesma entrevista citada discutem-se licenciamentos entre diferentes promotoras da Europa do Leste à América do Sul (Brasil), passando por Espanha e Itália algures a meio, a Polónia inevitavelmente a carregar por cima.

Empresário mas pioneiro, respeitamos a sua capacidade para reconhecer lacunas e agir no sentido de as preencher. A sua verve estratégico-empreendedora chega-lhe a recomendar o boicote-protesto (e a carga ideológica é nossa) de editoras concorrentes por alturas de sobreposições de lançamentos, efectivos ou previstos:

Eu recomendaria aos fãs que fossem MUITO selectos nas aquisições que fazem de BD da Panini em versão brasileira (...) se calhar mais vale ter um pouco de paciência e esperar por mais anúncios antes de comprar livros da Panini, até porque os da Levoir, além de virem em português de cá, costumam vir a um preço (inicialmente) mais apetecível.
in "José Freitas: ‘Este ano de edição de BD no nosso país foi excepcionalmente bom’" 11 nov 2015

Se elogios faltassem a JdF entre os seus pares, podemos ouvir do próprio em entrevista à Rascunhos 2018 o seu longo historial de projectos acumulados, a cujos sucessos lhe devemos uma quota-parte generosa da importação de artefactos que perfazem o panorama obrigatório da cultura popular em jogos e comics. Continuando de mercados saturados...:

[38:21 — José de Freitas] Uma pessoa tem que ser mais concorrencial no sentido de que é mais difícil aparecer no meio de tanta tralha né.
in Rascunhos #11 2018

... José de Freitas demonstra o seu domínio das vicissitudes da banda desenhada comercial pela facilidade com que discute $$$ no breakdown do custo das edições, um pequeno tour de force em execução orçamental onde voam contas por página e matemáticas diversas da produção e distribuição de livros, uma sensibilidade que não é indiferente àqueles pobres coitados que se vêm arrastado ao barulho: os autores da BD. Por calo e prática imaginamos, processa-os instintivamente à equação, discute os valores que lhes cabem, autores nacionais ou estrangeiros, e estratégias ao seu sustento (venda de páginas, autógrafos, edições alternativas de custo acrescido...), fala-nos de bolsas literárias e incentivos do Estado, etc. No geral surge-nos como alguém savvy em mecânicas financeiras que a prática obriga, moldado por um mercado impetuoso, habituado a um grau de profissionalismo invulgar à escala nacional, empreendedor nas suas variadas frentes. Igualmente, parece ser motivado por uma vontade de correr que não cansa, e possuir uma relação de afectividade ao meio que trabalha: não está apenas a escoar produto.

Ora...

Nesse seu papel de ápex da BD comercial e seus derivados, a sua comunicação online é-nos uma incógnita, pecando mesmo por constrangedora, a ser simpáticos — e estamos a sê-lo para tentar chegar ao fim da entrevista com todas as respostas que procuramos. Em choque frontal com a realidade dos canais de comunicação digital que hoje em dia qualquer empreendimento profissional na área dos media e conteúdos deveria saber traquejar, o sítio da G. Floy está de tal modo subaproveitado que não resolve como work-in-progress mas em stand-by, e falamos da sua presença oficial para todo o país: o seu cartão de visita, a autoridade maior em informação e conteúdos relacionados, o principal fórum de contacto ao público e mostra de catálogo, um local central e acessível a qualquer um e a qualquer hora para o universo dessa editora. Admitindo que paralelamente esse mesmo contacto com os leitores se proceda através de redes sociais — e para manter a pergunta curta escolhemos evitar discorrer da falácia que o Facebook e afins representam em termos de comunicação efetiva —, esse delegar da marca e catálogo a operadores externos, sujeitos às suas próprias regras e interesses é mais do que uma mera dependência desnecessária, é ao mesmo tempo uma submissão rendida a algum amadorismo e/ou falta de recursos desadequado à realidade do marketing no século XXI. Outro exemplo, outro canal digital — e estamos quase a terminar a parte ofensiva desta introdução — as newsletters saem por conta de email tradicional, em texto corrido, sem qualquer integração de CRM, por vezes com a lista de remetentes abertas ao mundo – que operadores com menos escrúpulos (*) poderiam reimportar às suas próprias newsletters, just sayin’.

*) OS POSITIVOS: operadores escrupulosos. P-o-o-o-o-rque BD comercial não é o nosso cup of tea — mas cheguem-nos a mailing list duma Chili e vejam-nos a festejar o natal como se fosse sair de moda :)

Uma estratégia — ou falta dela? — que não é exclusiva da G. Floy: as editoras nacionais de BD não possuem um investimento óbvio em presenças online que justifiquem uma visita, quanto mais um retorno. Algumas nem existem fora do Facebook. E no entanto, para uma indústria (palavra forte, admitimos) que depende da divulgação de novidades e fidelização de leitores, parece-nos um oximoro que abdiquem dum canal de comunicação tão valioso como a web. O disparar de press releases que se clonam por blogs dedicados – e iremos abordar esses em detalhe na segunda parte da entrevista — parece sugerir que não são insensíveis à importância da web, mas a prática da sua presença online insinua o contrário. É um mesmo abandono podemos encontrar nas presenças online de lojas de BD — outro tópico que queremos discutir adiante — que nos leva a questionar a afinidade que as editoras têm ou não à internet. A uma certa luz — de lâmpada fundida, ou pelo menos intermitente — comparamo-la à mesma negação dos jornais impressos com o digital em finais da década passada, e da relação à imprensa voltaremos na terceira parte.


I



enchanted creature
  • No geral.
    À sua escala – sempre importante recordar… - é o comércio de BD em Portugal alheio à web? Existem condicionantes que determinam o sucesso ou insucesso de uma obra / coleção / edição imunes à sua divulgação online? O sucesso ou insucesso desta variante de BD é exclusivamente condicionada pelos filmes em exibição no cinema e séries em TV?  As editoras nacionais de BD já descobriram a web? A que se deve esta impressão geral de atraso à sua adopção? Um constrangimento das condições de mercado, ou uma falta de incentivo desse? Somos um país tão pequeno que o passa-palavra individual cobre a possível audiência de leitores? Os fãs que espalhem as boas novas?
  • Especificamente G. Floy.
    Qual a vossa estratégia online de comunicação e diferenciação neste mercado específico? Que recursos (tecnologias / pessoas) possuem à sua execução? Pode descrever o workflow normal de divulgação de uma peça, em que formatos ocorre, como avaliam o retorno dessa comunicação? Como os compara a exemplos (nacionais ou internacionais) que considere casos de sucesso a replicar? A que atribui a diferença dos exemplos indicados à execução da G. Floy?

José de Freitas
G. Floy Studio Portugal

Antes de entrar mais em particular nas perguntas que me fez, queria dar uma resposta geral às observações iniciais que faz – talvez eu não fosse tão "crítico" em relação à G. Floy como você, sobretudo se considerarmos as coisas em relação às outras editoras de BD em Portugal — mas no geral creio que tem razão. Isto é, a presença da G. Floy online é amadora, e não é feita de acordo com nenhum plano geral ou estratégia pensada com pormenor. Há muitas razões para isso, e discutirei algumas mais à frente, que têm que ver com as particularidades do online no nosso país.

Nota: JdF dá-nos razão no primeiríssimo parágrafo. Normalmente fecharíamos loja por aqui e a entrevista estava feita. Mas comprometidos a compromissos, sigamos as suas explicações sem mais interrupções.


José de Freitas
G. Floy Studio Portugal

Mas há uma resposta super simples inicial, que é que a G. Floy em Portugal é composta exactamente por UMA pessoa, ie. eu, que faz TUDO: revejo as traduções e faço a gestão da equipa que legenda e prepara os livros, faço o controlo dos livros e revejo as provas todas, trato das vendas, reuniões com clientes, tudo, até ao envio das encomendas pelo correio, stands em festivais, manter a páginas do Facebook e assim por diante, e ainda por cima a G. Floy não é o meu trabalho exclusivo (trabalho para várias outras editoras em regime de freelancing). Ou seja...

De certo modo, o tratar da nossa presença online, se é algo que tem de ser tratado, não está em geral na lista das minhas prioridades, e mesmo sabendo que essa presença é importante, a verdade é que não é fácil medir o seu impacto, p.ex. em número de livros vendidos. É fácil ver quantos livros vendo numa promoção no Facebook e por email, e pagando para promover um post, mas tudo o resto é meio opaco. O que é que ganhamos ou perdemos por os nossos posts terem mais ou menos Likes? Por fazermos mais ou menos posts? Por ter um site mais ou menos desactualizado? Por ter sequer site? Nada disto é óbvio, e como muitas vezes se mete no meio de, e atrapalha, o trabalho que esse sim tem resultados imediatamente visíveis (por exemplo de "vender" os livros, junto de lojas, clientes, fazendo promoções, etc...), passa regularmente para trás, como menos importante.

No geral, o "workflow" à volta da promoção online dos nossos livros consiste essencialmente no seguinte: envio de um email com uma nota de lançamento sobre o livro (em formato doc, porque originalmente foi esse o formato que os bloggers e sites pediram para receber) à nossa base de dados, umas centenas de fãs mais bloggers, jornalistas, sites, etc...; um post no nosso Facebook específico para cada livro, geralmente promovido com um orçamento fixo por livro; e – teoricamente – a inserção dessa informação no nosso site, que queríamos que fosse pelo menos um repositório de toda a informação dos nossos livros e autores, mas que neste momento está desactualizado por falta de tempo minha para tratar disso. No geral, não comparo estes esforços a nenhuns internacionais (sendo que noto que muitas editoras internacionais, pelo menos no que toca aos sites, estando actualizados, não são nada especialmente interessante). No que toca às editoras nacionais, creio que existem muitas coisas que nos distinguem das outras, mas em muitos casos não exclusivamente no campo do online. Claramente a nossa página de Facebook é a mais activa de todas as editoras de BD nacionais; creio que somos provavelmente a única editora que envia efectivamente uma nota de lançamento de TODOS os livros (pelo menos entre as que publicam mais de uma dezena de livros por ano); e tanto quanto sei, somos os únicos que têm uma política de envio de livros (físicos) aos bloggers, etc... que os pedem.

Mas todas estas respostas giram sempre à volta de uma questão importante de avaliar, que é até que ponto é que o online é de facto importante para a BD no nosso país, e isso prende-se mais à primeira parte das suas perguntas directas. Deixe-me despachar directamente algumas coisas rápidas: no geral, uma BD estar ligada a um filme ou a uma série de TV pouco ou nada tem que ver com o seu sucesso ou não. O filme ou série podem criar mais conhecimento acerca das personagens ou séries ou títulos, um reconhecimento superficial, e pode ser que ajude a vender mais uns tantos exemplares (excepto se a fama da série ou filme forem más, o que por vezes acontece...), mas o impacto tende a ser pequeno, e nós raramente planeamos livros à volta disso. Se um título tiver uma série de TV associada, óptimo, melhor, mas não vamos contar demasiado com isso. Dado o tipo de distribuição que temos, uma combinação de bancas, Fnac e alguns clientes maiores, a nossa aposta no online tem sido primariamente como maneira de tentar chegar a possíveis leitores para eles saberem que os livros existem e estão à venda. Uma espécie de grau zero. No geral, devo dizer que, por exemplo convencer os responsáveis de compras da Fnac a fazerem uma compra grande – mais 100 ou 200 do que o que costumam comprar, p.ex. - parece ser mais relevante do que qualquer iniciativa que possamos ter online para o sucesso de vendas de um título. Ou seja, neste momento e para a G. Floy, o online tem um impacto pequeno sobre o sucesso ou não de um título.

Mas mais longe ainda: Portugal é um país em que as compras online têm uma expressão muito baixa, e isso num país em que as compras de livros per capita são baixíssimas. É verdade que muitos dos nossos fãs são geralmente competentes tecnologicamente, e muitos estão disponíveis para comprar online, especialmente para aproveitar promoções. Aqui estamos sempre condicionados pelas regras da Lei do Preço Fixo, que limita muito o tipo de promoções.

Posso comparar com o outro mercado em que a G. Floy está muito activa, a Polónia, que não sendo mais rico (per capita) do que Portugal – embora tenha uma população bastante maior – tem uma cena online de BD e de cultura MUITO mais activa do que no nosso país. Globalmente, 35% das nossas vendas na Polónia são para lojas online, a maioria das quais geridas por sites/portais de cultura pop (existem pelo menos uns dez muito activos e bastante profissionais), que fazem vendas promocionais super agressivas e com margens mínimas (devem ganhar muito pouco dinheiro com essas vendas). Para estes sites, as vendas online servem de ferramenta para promover o site e a presença online, para levar pessoas ao site, enquanto cá é o oposto, a presença online serve de ferramenta para obter vendas online, quer levar-se as pessoas ao site para elas comprarem. Não sei de onde vem a diferença. Existem sites com boas vendas online em Portugal. A Wook é um excelente cliente nosso, a Fnac vende parte do que nos compra pelo seu site, e nós próprios temos vendas que não são negligíveis (via promoções feitas no Facebook e por email); tudo junto diria que cerca de 13-14% das vendas da G. Floy são feitas online.

Mas o mercado português é MINÚSCULO e tirando alguns títulos pontuais e excepcionais, as tiragens rondam os 1500-2000 no máximo, e situam-se para muitas editoras mais nos 800-1000. E as vendas desses títulos são feitas ao longo de ANOS, é raro esgotar-se rapidamente uma tiragem de 1500 p.ex. Com números desses, e um número de lançamentos total de títulos no nosso mercado relativamente baixo, nenhuma editora dispõe efectivamente de recursos para fazer grandes investimentos. Aliás, das editoras que eu conheço, só duas têm uma equipa maior que duas pessoas (a Devir e a ASA), a Levoir são duas pessoas e meia, e o resto é quase tudo one-man shows de pessoas que têm muitas outras actividades ANTES de começarem sequer a tratar de BD (incluindo a G. Floy).

Mais: os preços dos livros de BD em Portugal são muito baratos. O que significa que as margens com que as editoras operam são muito baixas, e que é difícil capitalizarem-se para poderem, p.ex. disponibilizar um investimento para outra área ou projecto. Claramente, com tiragens muito baixas, nas quais os custos fixos de produção de um título são também divididos por menos livros, os livros deveriam ser mais caros que noutros países, do que em França ou Espanha. Mas não é esse o caso, e as editoras portuguesas andam constantemente num malabarismo para não subirem os preços demasiado, e para conseguirem gerar alguma margem com o preço que conseguem impor. Ou seja, tudo contribui para que a presença online seja uma prioridade muito baixa para as editoras de BD portuguesas.

Por tudo isso diria que sim, de modo geral as editoras de BD portuguesas são alheias ao comércio online, que no nosso caso particular se limita a vendermos para a Wook e ocasionalmente fazermos umas promoções ao abrigo da Lei do Preço Fixo no Facebook que nos permitem vender uns milhares de euros durante uma janela de alguns dias. É muito difícil pesar qual o impacto que o online tem no nosso negócio, positivo ou negativo, consoante estejamos mais ou menos presentes; o feedback que se recebe, se não for de exemplares vendidos, é difícil de avaliar, e os custos de um investimento online podem não ser pequenos. Não sei qual o tamanho do mercado de leitores de BD, mas posso dizer algumas coisas: baseado na experiência de várias editoras de BD que publicaram livros da Marvel (G. Floy, Salvat, Levoir, Goody), diria que o mercado para um livro da Marvel no nosso país é de 1000-2000 exemplares num tempo útil de seis meses a um ano; não é muito. Aqui e ali alguma colecção pontual pode vender mais, mas será excepcional. Já foi mais, e há pouco tempo (5-6 anos), mas o aumento vertiginoso de títulos lançados anualmente desde 2012-2014 (mais do triplo) deve ter dispersado os leitores. Uma das coisas que para mim é meio misteriosa, no meio desta "vitalidade" editorial expressa em número de títulos lançados e variedade de géneros e autores e proveniências, é o facto de não só não se ter assistido a um aumento, p.ex. do número de sites e blogues que cobrem a BD, mas que esse número diminuiu mesmo nos últimos anos. Nenhum blogue está profissionalizado, nenhum blogue consegue assegurar uma produção regular de conteúdos para além daqueles fornecidos pelo próprio dono do blogue, nenhum blogue consegue gerar fundos ou recursos para se profissionalizar. E acho que esse é o reflexo geral de duas coisas: por um lado o tamanho diminuto deste nosso nicho da BD numa "indústria" editorial que já de si é pequena no nosso país, por outro lado, a relativa pouca importância geral do online em Portugal, que se confronta aos mesmos problemas de capitalização e profissionalização das editoras de BD, possivelmente devido ao pequeno tamanho do país. Uma nota importante: as estimativas de leitores que eu dou referem-se apenas a leitores de livros em PORTUGUÊS, estou plenamente convencido de que existem MUITO mais leitores que lêem em inglês (talvez não em francês, no entanto) do que em português, e os livros nas suas edições originais são os nossos (da G. Floy) verdadeiros concorrentes, não qualquer outra editora portuguesa. Por isso é que temos feito um esforço grande em ser concorrenciais por um misto de preço E de formato físico dos nossos livros.

Oh-no-he-didn't! Interrompemos em $$$ e! formatos físicos de livros? Surely this means war! Mas são tópicos que guardamos à última parte desta entrevista. Antes: de bloggers nacionais sem fundos em tamanho pequeno — comin' next na segunda parte.

primeiras impressões